sexta-feira, 18 de setembro de 2020

CAP.2: A CONVERSÃO.





" Vinde então, e argui-me, diz o Senhor; ainda que os vossos pecados  sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornaram como a branca lã."
(Isaias 1:18)

Minha irmã Carmem, a quem chamamos carinhosamente de Carmita, como a minha mãe, seguiu a carreira de professora. Nós somos  três irmãos, Carlos, (Carlito) Carmem, (Carmita) e Calby.  Eu sou o último filho do casal  Alcino e Luiza Paiva, e nasci  doze anos depois  do último de nossos dois  irmãos, Cláudio e Claudete, terem  morrido ainda crianças. 

Portanto, eu sou 22 anos mais novo que o  meu irmão Carlito, e 20 anos mais novo que minha irmã Carmita, sou o caçula de nosso lar.  

Minha irmã, casou-se com o filho de um comerciante Turco, porém, depois de viver alguns anos  separou-se de seu marido,  que depois de uma discursão, ele saiu de casa e desapareceu no mundo. Ela ficou com a carga de 9 filhos menores para criar, foi uma heroína, pois conseguiu fazer isso muito bem, porém, com muito esforço e muito  trabalho. 

Seu esposo só apareceu muitos anos depois de ter constituído outra família, em outra cidade distante. Mas, só deu tempo de rever e despedir-se dos seus filhos deixados para trás,  já maiores e com suas vidas e suas famílias. Estava hospitalizado e pouco depois veia a falecer, estava muito doente, câncer do pulmão, era um fumante inveterado. 

Por isso, durante  minha fase jovem eu fazia tudo para ter minha vida independente, porém, sempre em minhas folgas de trabalho na empresa de ônibus, eu ia visitá-los e passar alguns momentos juntos, para não perder os laços familiares, ou por via das circunstâncias quando as coisas  apertavam para mim, sempre eu tive na casa de minha irmã um porto seguro, ela foi minha segunda mãe, os mais velhos  tem quase a minha idade, e somente o mais novo me chama de tio. Fomos criados como irmãos. 

No tempo de minha prisão, relatada no capitulo anterior, minha irmã estava recente de haver se mudado da cidade de Igarapé-Açu,  para Belém do Pará, a capital, onde morava e trabalhava como professora onde  fazia um curso de aperfeiçoamento em seus estudos, para profissionalmente poder ganhar mais. O que felizmente aconteceu, ela especializou-se em uma matéria especifica.

Agora voltemos a minha história, orando dentro da cela antes da hora do pau; 


Naquele dia, após a minha oração de pedido de socorro, feito na cela, e antes do "horário do pau"  minha irmã tinha feito em sua casa, uma comida típica paraense, um vatapá, e ela então lembrou-se de mim como sempre fazia nas ocasiões que cozinhava  comidas especiais. Então pediu à um de  seus, o  filhos o Edson,  que levasse uma marmita até mim mim no final da linha do ônibus onde eu trabalhava, na  marmita continha o vatapá, uma gostosa comida tipa paraense que minha irmã fez

Chegando lá na empresa onde eu trabalhava, meu sobrinho falou com o fiscal, que controlava o trafego dos ônibus, para saber qual a  horário  que eu chegaria no final da linha, para que ele me entregasse a encomenda. 

Quando o fiscal contou-lhe a notícia de que eu tinha sido preso, ele saiu em disparada de volta para contar isso à sua mãe. 

Eles viviam em um bairro próximo, no Canudos, e eu morava e próximo a garagem na empresa Arsenal, num bairro chamado  Jabatiteua.  Quem conhece os bairros de Belém, sabe quão próximos estão um do outro dando para fazer o trajeto andando.

De posse desta notícia, minha irmã ligou para um Deputado Estadual, amigo seu, ex-prefeito da cidade onde ela morava, inclusive eles eram compadres, pois, ele era padrinho de seu primeiro filho, Ronaldo,  e conhecia muito bem nossa família, desde muito tempo. 


Imediatamente o Deputado, ao saber do ocorrido  ligou para quem devia, e solicitou que seu advogado, fosse até a Central de Polícia, providenciar a minha soltura. 

O Deputado José Elias Emin, explicou ao chefe do delegado que havia ordenado minha prisão que ele estava cometendo um grande equivoco, ele conhecia muito bem nossa família, e  por mim ele se responsabilizaria pela soltura,  disse  que éramos pessoas de família pobre, porém, trabalhadora, que vivia de forma honesta.

Mas, como eu estava dentro da prisão, até aquele ponto,sem saber nada  nada do estava acontecendo fora, naquele tempo não era todo mundo que possui telefone, a comunicação era difícil, eu estava apenas contando os minutos ao ver escurecer, e saber a hora que poderia subir para o interrogatório naquela quarta feira, que era o "dia do pau"

Tudo que eu queria, era que ninguém aparecesse ali na grade daquela cela chamando pelo meu nome.

Não deu outra, aparece um carcereiro olhando pela grade e perguntando: "Quem é Calby Amoras de Paiva?

Era exatamente no horário dos presos serem chamados para  subir ao interrogatório onde havia a palmatória que era usada sem piedade pelos investigadores. Alguns eram bandidos disfarcados, e isso eu conto depois.  

Eu  sabia que não podia esconder-me di pau e apresentei-me: "Sou eu, senhor" - Senti um frio, minhas pernas queriam tremer, mas, eu falei com  voz  firme, eu queria ser macho na frente dos outros ali e iria apanhar como homem.

Ele abriu a grade o disse: "Segue-me" - Enquanto o seguia ele perguntou-me:

 "Em que armário estão as suas coisas? - Você está livre, veio o seu alvará de soltura, por ordem de um Deputado"

Fomos então no aposento onde estava  minha camisa de cobrador e minha carteira com os documentos. Vesti a camisa, coloquei a carteira no bolso da bermuda grande e sem cueca,  que havia "herdado" do Nego Macumba, e as portas foram se abrindo para mim até sentir-me na rua, e apressadamente procurava me distanciar daquele ambiente de pesadelo o mais rápido possível sem olhar nem olhar para trás.

Eu estava com muita fome, naquele dia haviam roubado até minha comida,  ainda  abri minha carteira, procurando ver se porventura não teria esquecido alguma cédula ou moeda dentro,  e notei, que realmente estava  sem nenhum  dinheiro, pois o carcereiro que levou-me para cela também conseguiu enganar-me para roubar meus últimos 34 cruzeiros e alguns centavos, que eu tinha na carteira ao ser preso.

Na minha situação valia pagar um táxi para me deixar no Bairro Jabatiteua onde morava, mas como não tinha dinheiro, fui para a parada mais próxima da linha Arsenal, a empresa em que trabalhava, onde eu era conhecido dos motoristas, e como funcionário da empresa tinha o direito de entrar pelo porta dianteira, sem pagar passagem. 

O ônibus que tomei, estava lotado de passageiros, pois com a demora dos procedimentos de minha saída, aquele horário combinava com o momento em que as pessoas saiam das classes noturna das escolas, e que os trabalhadores dos comércios de Belém, voltavam para suas casas. 

Eu estava envergonhado, pois naquele tempo, eu era magro e vaidoso, e aquela camisa de serviço que estava usando, feita para o meu corpo, não combinava com a enorme bermuda verde suja, cujo cinto, que eu havia pegado no armário ja evitava o nó anterior na cintura, porém todos podiam notar que o antigo dono daquela roupa era bem maior.  

Mas saudando o motorista arrumei, um lugar no meio dos outros que estavam em pé na parte da frente do ônibus, Foi ai  que  notei outro fato que iria ainda me deixar mais incomodado, pois percebi que estava incomodando os outros. 

Eu notei que os passageiros que estavam ao meu lado começaram a afastar-se, foi quando eu percebi que havia levado comigo, o odor que sentia naquela prisão imunda. 

Era uma mistura, de cheiro de urina, suor, e o odor de homens que suados, que não tem material nenhum para higiene pessoal, e  que  passam dias sem sequer tomar banho para não machucar seus ferimentos.  

Naquele ônibus, eu  era um passageiro que tinha o direito de viajar grátis, mas, os outros evitavam, encostar-se em mim. 

Eu era senti-me  passageiro ilhado, no meio de um ônibus lotado. 

Eu também tinha escapado fedendo, porém. não tanto quanto  o Profeta Jonas que saiu  de dentro do ventre de um peixe, que o havia engolido por ordem de Deus. 

Deus permitiu a prisão me 'engolir' por 33 horas, porém, foi misericordioso, me fez escapar do cacete, minutos antes. 

Eu porém era só alegria, estava feliz  por senti-me livre, e fui curtindo a viagem até o ônibus chegar no final da linha e eu saltar para correr ao meu quarto, e poder tomar um dos melhores banhos de toda a minha vida.

Apesar de somente ter passado 33 horas preso, fiquei com trauma daquele inferno, só em saber como pode existir pessoas tão perversas, tanto da parte dos presos pelos crimes que cometem com a maior naturalidade, e ainda se exibem disso, como também por parte dos carcereiros e investigadores corruptos, que vivem se alimentando da miséria e do sofrimento dos outros.

No meses e anos seguintes passei a ler mais assiduamente as páginas policias dos jornais locais, e a ouvir nos rádios os programas policiais para saber notícias de alguns protagonistas dessas notícias que eu havia conhecido na prisão. 

Sinal, foi morto em combate com a polícia durante um assalto. Nego Macumba morreu na cadeia. Mãozinha foi solto e continuava usando sua arte de entrar e sair das casas com objetos. Carcará, um prisioneiros idosos que tinha o corpo  todo tatuado, também morreu em briga de gangues, por posse de pontos de drogas. 

E o Chico Preto, um investigador que espancava os presos e era tido como um  justiceiro  temido pelos bandidos, porque batia com violência  nas pessoas deixando-as quase a mortas. Eu vi ele fazer isso para conter uma rebelião na cela em frente da nossa. Ele entrou apressado com o seu cassete quando houve um tumulto.  O preso em que ele bateu saiu todo ensanguentado, arrastado pelos outros. Pelos jornais soube anos depois,  que Chico Preto, o investigador carrasco,   foi descoberto sendo o chefe de uma quadrilha que roubava carros em Belém, ele  foi preso, julgado  e condenado para provar do seu próprio veneno.

Eu no entanto continuei no meu trabalho de cobrador na empresa Arsenal, ainda sem reconhecer, que havia feito um voto no momento em que  fui liberado da prisão.

Na verdade eu estava fugindo de Deus,   havia me afastado muito dele para voltar de imediato, o pecado domina o pecador, ate que ele se converta de verdade, não por necessidade.  Continuei até o restante daquele ano gerenciando minha vida conforme minha vontade.

Os meus dias da semana, eram de puro trabalho, eu virava serviço, trabalhando todos os dias para folgar nos finais de semana, finais de semana, era o meu  momento de diversão regados a jogo, cervejas, cigarros, caipirinhas.

Havia alguns finais de semana prolongados que eu viajava a Soure, a nossa cidade, mas, evitava a casa de meu irmão e seus conselhos sobre religião, eu tinha um grupo de amigos, inclusive um deles cuja casa ficava ao lado da casa de meu irmão, onde a gente podia beber à vontade.

Quem fica escravizado pelo uso do álcool, fica incontrolável, quando deixa-se dominar por ele. Lembro-me que um dia, enquanto estávamos em um bairro de Belém, na Sede dos Carroceiros, um clube que promovia festas e podia se procurar mulheres de todos os preços, eu nunca tinha ido lá, evitava, mas, um dia fui  convidado com insistência por um amigo, colega de trabalho, a finalmente entrei ali, muitos colegas cobradores conheciam aquele lugar, e sempre insistiam  para que eu experimentasse. 

Eu já cheguei atrasado, quando os meus companheiros na mesa onde eu sentei, já estavam um tanto alterados pelo consumo de bebidas alcoólicas.  

E eu notei isso porque, eles deixavam o copo cair propositalmente no chão, para quebrá-los, e usavam os cacos do vidro para de um maneira frenética fazer um pequeno corte à altura do pulso para derramar o sangue em outro copo onde havia rum, e assim fazer uma espécie licor de sangue, para tomarem, cado um tomando o seu sangue. 

Ele tinham "cuidado" para cortar de pouquinho para não estragar a festa nem os pulsos, mas, eu achei aquilo uma loucura sem comparação.

Ao sentar-me, e notar com atenção o que estavam fazendo, pensei comigo mesmo, esses caras estão ficando loucos,  eu jamais farei isto. 

Mas depois de tomar algumas doses, eu notei que de vez em quando eles faziam um batida de aguardente com sangue.

Aí eu já pensei diferente; eu disse comigo mesmo, esses caras não são mais homens do que eu, e eu vou fazer isso também, vou mostra que tenho mais coragem que eles todos.  E eu quebrei um copo e fiz também, só que eu exagerei na dose, e no corte, e até hoje eu posso mostrar para quem quiser a marca deixada naquele dia.

Eu continuei uma vida liberta da prisão, mas prisioneira do pecado e dos vícios. 

Na verdade eu tinha feito um voto, mas, para cumpri-lo eu precisava primeiro me converter. A Conversão é uma obra impulsionada pelo Espirito Santo que convence o homem do pecado, da justiça de do juízo, mas, o ato da conversão, a hora e o lugar tem que ser uma decisão do livre arbítrio, do direito da escolha que Deus deu ao Homem, é uma decisão pessoal operada através do arrependimento. Isso não dá para forjar, para fazer de mentirinha, isso eu ja tinha feito, quando vi que meu pai precisava partir tranquilo, e queria ver-me crente. 

Porém, houve um dia que esse momento chegou e  com barulho de foguetes, o seu resultado foi maravilhoso e dura ate hoje, enquanto escrever estas linhas, 44 anos depois.  Era exatamente a passagem do ano, a chegada de 1976. 

Eu estava na Jabatiteua, onde tinha o bar que sempre frequentávamos, por ser de um amigo que ate me vendia fiado quando precisava, e  por ter mesas de bilhar.

Era onde podia consumir bebida tendo ou não dinheiro na hora, pois o dono sabia que éramos funcionários da empresa, e poderíamos pagar depois, ao receber.

Naquele dia como era final de ano estávamos bebendo socialmente, com companheiros de trabalho, e exatamente à meia noite, quando explodiam os foguetes, e eu me vi com um cigarro entre os dedos, e um copo de cerveja a minha frente.

Então eu lembrei-me do voto feito na prisão,  lembrei-me, também de meu tempo de criança, dos meus 11 anos quando acompanhava meu pai e meu irmão e sua família para a igreja, para orar durante a passagem do ano. 

Sim, na igreja a gente ouvia, o explodir dos fogos fora, mas dentro do templo o ambiente era outro, gratidão à Deus pelo ano findo, pelas bençãos recebidas, e implorando as benção de Deus para o ano entrante.

Agora eu estava crescido, sentindo-se dono de mim mesmo, desviado do evangelho  e totalmente distante de tudo aquilo.

Comecei a pensar, no pedido de meu pai ao morrer, pensei no meu voto feito na prisão, e principalmente  no modo como fui liberto, alguns minutos antes do horário do interrogatório e do castigo, e senti-me um covarde, um lixo de gente. Eu que sentia tinha nojo daquela prisão, e do comportamento daqueles presos, sentirem mais imundo que todos eles. 

O Jesus tão bondoso e maravilhoso, que libertou-me da prisão  não merecia aquilo, eu precisava urgentemente pagar o meu voto, servir a Deus de verdade. Minha irmã, meu irmão, meus sobrinhos e minhas sobrinhas precisavam ver e sentir minha transformação  por dentro e por fora. Eu realmente não prestava. Um lixo humano que precisava ser reciclado. 

Aqueles pensamentos  com a cerveja o cigarro na mão, na mesa de um bar, não combinava em nada. Eu precisava desabafar e explodir em choro. 

Pedi permissão aos colegas de mesa para sair, amassei o cigarro e sai rapidamente à passos largos dali  na direção do do lugar onde morava perto dali,  e então derramei minha alma perante o Senhor.

Ali sozinho, ouvindo o barulho dos foguetes que saudava a chegada do Ano 1976, eu pedi perdi à Deus perdão de meu pecado e solicitei que ele mudasse minha vida, eu estava completamente disposto à cumprir com o meu voto feito na prisão. 

Eu a partir daquele momento estava disposto a servi-lo até o final de meus dias. Foi assim minha Conversão, eu só precisa ter uma oportunidade de mostrar isso dentro de um templo a outros cristãos para poder  e testemunhar aos outros minha transformação de vida.

Eu nasci de novo. 










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